Diário de Bordo – 26/09/2025


O amanhecer começou em ouro. O horizonte incendiado sobre o mar trazia aquela luz inaugural que sempre promete revelações. Mas logo o tempo mudou: as nuvens densas filtraram o brilho, e o sol deixou de ser ouro para tornar-se prata. Um sol metálico, frio e cintilante, refletido nas espumas do mar. Lembrei da canção de Iemanjá, de Leo Artese — ‘Luar se fez um raio prateado iluminando o céu e as espumas do mar’. A música fala da Lua, mas ali foi o Sol quem tomou para si esse raio prateado — um brilho poético, inesperado, mas justo. O bronze de outros dias deu lugar a esse prateado lunar: uma claridade intermediária, não de apogeu, mas de travessia.
Caminhei pelas pedras altas, acima da Praia do Secreto. Lugar mágico, geográfico e simbólico. Um santuário ecológico, protegido como reserva ambiental. Aqui, a associação de moradores, em diálogo com acadêmicos da UERJ, tem trabalhado na retirada das espécies exóticas. O que cresce agora são plantas nativas, reinseridas como guardiãs do território, fortalecendo polinizadores, restaurando o equilíbrio.
Esse gesto ecoa debates profundos: o que hoje se entende como “proteção ambiental” contrasta com a poética de Burle Marx. O paisagista misturava espécies, inventava jardins híbridos, colagens tropicais, onde o exótico se tornava parte da composição. Sua prática — ousada e pictórica — não caberia mais no protocolo ecológico atual, que prioriza a integridade dos sistemas. A crítica agroflorestal também toca nesse ponto: se a diversidade introduzida pode enriquecer o olhar, ela também pode desestabilizar. O jardim como obra de arte versus o ecossistema como organismo vivo.
A Praia do Secreto, então, é um palco desse embate temporal. Ali, sobre as falésias, percebo como o lugar se inscreve na história da ecologia e da arte: um jardim não-ornamental, uma reserva viva, um território em resistência.
E enquanto penso nessas camadas — ouro, bronze, prata —, o sol insiste em furar as nuvens, como se dançasse entre tempos. Não é apenas uma paisagem: é uma cosmologia em movimento.