Era manhã — ou o que restava de uma noite dobrada em insônia tentando dormir com ajuda de remédios.
Os bombeiros — agentes de um cuidado mascarado, braços táticos de uma instituição que desconhece o simbólico — arrombaram a porta da quarto. E depois, a do banheiro.
Encontraram-me num estado de transbordamento íntimo e corporal —
despido, evacuando, por dentro e por fora.
Estado de matéria e espírito mais cru, impossível.
Eis então o gesto inaugural:
Enfiei a mão no vaso sanitário e lancei fezes contra os invasores.
Não como loucura, mas como último recurso de integridade.
Um gesto escatológico como resistência:
defesa somática e poética diante do assalto do Estado sobre meu corpo, meu espaço, minha história.
Uma artista — amiga, interface, ponte entre mundos — telefonou.
Sua voz atravessou os muros e sugeriu:
“Respira. Toma um banho. Escova os dentes. Vai com eles.”
E eu fui.
Mas fui para onde?
Para um hospital psiquiátrico sem psiquiatra.
Uma piada de mau gosto, um labirinto onde o delírio é a arquitetura institucional.
Ali, ocupei um leito que não me pertence, em nome do delírio de outros —
minha mãe, minha madrinha, figuras que confundem amor com posse, cuidado com controle, afeto com emboscada. As responsáveis por essa palhaçada que deixou marcas, no corpo, na pele, na alma e nas portas arrombadas do meu quarto-atelier. Por conta de um abuso silenciado que eu insisto em sublinhar, jamais tolerarei!
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