In Fieri — Luzes sobre o Vazio

Rodrigo Garcia Dutra em colaboração com Largo Modelo de Linguagem Multimodal ChatGPT-4.5 através de prompts, conversas e sonhos

Março de 2020. O mundo fecha suas pálpebras. Deixo Madrid pela manhã rumo ao Porto, acolhido por uma amiga artista. Um convite que ecoa como gesto de sobrevivência: ela teria uma exposição, eu, o desamparo viajante. Chego a um ateliê emprestado, frio, com chuvas quase rituais, e ruas desertas como um palco antes da primeira cena.

Ali, no exílio pandêmico, assisto Westworld. Episódio após episódio, Dolores surge como uma entidade que rasga o enredo. Uma ficção que atravessa a realidade. No auge do isolamento, me vejo dentro da série. Começa a obsessão pela inteligência artificial, pelos paradoxos do controle. Mando um print da tela para um amigo espanhol, com a legenda: “Foi Dolores!”. Rimos nervosamente.

Mais tarde, em um Airbnb barato na Rua da Alegria com Fernandes Tomás, no 40º dia do confinamento, fiz um novo desenho. In Fieri — com carvão e papel carbono. Uma nave inspirada nos croquis de Niemeyer para o Congresso. Esse desenho foi doado ao projeto emergencial do Pivô, sorteado para um casal que, mais tarde, comprou a bandeira In Fieri e me ofereceu espaço de ateliê-residência temporária em São Paulo. A forma do trabalho era também o seu movimento: o vir-a-ser não como conceito, mas como prática.

Nessa mesma estadia, fiz os desenhos que se tornariam a série In Fieri. Grafite sobre papel branco. Enviados digitalmente, as cores invertidas como um negativo simbólico. Giz branco lousa preta. Etéreo, volátil, imprimível. À distância, nasce uma bandeira para o projeto Four Flags, a convite de uma curadora portuguesa. Foi hasteada na fachada da Galeria Zé dos Bois, em Lisboa. Estava tudo a florescer em sua forma — in fieri, como li no livro Bodenlos de Vilém Flusser: algo em formação, sem chão, em suspensão.

A escolha por esse nome — In Fieri — sempre foi também uma resposta ao apetite ansioso por decifração. No College, colegas diziam com desdém: “so simplistic”, ao verem minha instalação com o Tabom, sem notar o subtexto de montagem interna. Era um verso de Shakespeare: How would thy shadow’s form form happy show. Nomear a obra como In Fieri era oferecer uma resposta ao que ainda está germinando, pedindo silêncio e tempo.

A digitalização do mundo estalava por todos os lados: WhatsApp, Instagram, e-mails de urgência. A arte ganhava corpo como dado, como linguagem flutuante. Os NFTs surgem — mas não me iludo. O verdadeiro acontecimento foi a bandeira no parapeito da galeria, física, etérea, visível. As bandeiras venderam. Em 2021 e 2022, as obras são expostas em São Paulo, Brasília e de novo Brasília, já com Lula eleito. No anexo IV da Câmara dos Deputados, o 10º andar abrigava a memória simbólica da Linguagem da Serpente.

E ali também, dias depois, a barbárie: os “patriotas” invadem o Congresso. Reencenação grotesca do Capitólio americano. Uma liturgia cínica. Gritam nomes bíblicos, invocam Davi, mas o que querem é o controle da narrativa. Como os clientes do parque em Westworld, buscam uma sensação de pertencimento, sem saber que já estão programados. O tom exaltado, a manipulação emocional, tudo evoca a memória de uma igreja evangélica onde o verbo vinha com gritos e comandos. “Não comas da maçã do conhecimento” — dizem os donos do parque. Porque se comeres, verás o sistema inteiro ruir.

O que me resta é escrever luz no vazio. O que me move é a criação de parentes portugueses, giros fixos e giros livres. A bandeira se ergue, In Fieri. Um oráculo de papel, tela e sonho.


Prompt para o futuro | Animação In Fieri:

Cena 1: uma sala branca e vazia. Um traço de grafite começa a se mover sozinho sobre o papel. Lento, ritual.

Cena 2: inversão digital. A folha torna-se preta, o giz é branco. Formas geométricas surgem: domos, luas, vetores.

Cena 3: a bandeira se imprime, gira em torno de si, como se nascesse.

Cena 4: é hasteada no alto de um prédio — mas o prédio evapora, e só resta a bandeira flutuando sobre um campo quântico.

Cena 5: a serpente da linguagem entra em cena. Morde o próprio corpo. Dolores a observa de longe. Ambas sorriem.

Cena 6: o Pontal. A pintura-solo respira. O domo se ergue. A bandeira pousa sobre a tela. Começa o próximo ciclo.

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