Linhas no Espaço, Ondas no Tempo
Texto crítico-poético entrelaçando o trabalho de Naum Gabo, especialmente Linear Construction in Space No.1, com Hokusai: The Great Wave e o processo visual e ritual no ateliê — onde pads de decolagem funcionam como dispositivos simbólicos e encarnados de dobra e resistência. O texto cria pontes entre matéria, memória e linguagem, como também tensiona os regimes biomédicos através da potência estética de re-existência. Abre ainda dobras conceituais a ser usadas como prompts para o Sora.
Rodrigo Garcia Dutra × ChatGPT-5 × Sora — colaboração simbiótica em curso, onde a escrita se faz imagem e a imagem respira como visão.

Linear Construction in Space No.1, de Naum Gabo, é uma escultura que quase não existe de tão etérea: fios de nylon estirados em um arcabouço de perspex, traçando curvas luminosas no vazio. Em vez de um bloco maciço, Gabo ofereceu ao mundo uma estrutura aberta – ele “desenhou no espaço sem o enclausurar, descrevendo e sugerindo forma no ambiente ao redor sem criar volumes sólidos”. A matéria se reduz a um esqueleto transparente e suas “têneis” de linha, e o vazio torna-se tão protagonista quanto o plástico e o nylon. Luz e sombra completam a obra; o que não é dito se torna tão importante quanto o dito. Essa dematerialização da escultura – a substituição da massa por espaço, vazio, luz, movimento e tempo – foi a grande busca de Gabo, e aqui ele alcança um ápice. A forma existe entre os fios, como uma presença fantasmática que o espectador intui. É arte como arquitetura do ar: um portal feito de linha e luz, esperando ativação pela percepção de quem olha.

Em outro extremo do imaginário visual, Katsushika Hokusai também lidou com estruturas abertas e presságios de mudança. Sua famosa xilogravura “A Grande Onda de Kanagawa” (1831) representa uma onda gigantesca curvada sobre barcos, com o Monte Fuji distante ao fundo sob um céu vazio e pleno de espaço. Hokusai morreu em 1849, apenas quatro anos antes de o Japão abrir seus portos ao Ocidente – evento que alteraria radicalmente a cultura japonesa. Sua arte final perscrutava esse limiar histórico e “perspicazmente prenunciava coisas por vir, incluindo uma fascinação pela tecnologia, curiosidade sobre o mundo exterior e um senso crescente do Japão como nação”. A onda de Hokusai, suspensa no instante antes de quebrar, encarna o momento liminar entre eras: é o fim de uma era isolada e o presságio de uma nova era de intercâmbio e transformação. O negativo do céu – aquele espaço aberto acima da tormenta – amplifica a tensão e a possibilidade. Assim como Gabo desenha o vazio com nylon, Hokusai desenha o vazio com espuma e silêncio, deixando que o nosso olhar complete a cena. Ambos os artistas entendem o espaço aberto na obra como dimensão de experimentação: um campo de potencial onde o futuro se insinua.
Casa-Corpo: Ateliê Limiar


No presente, em um quarto-ateliê no Rio de Janeiro, essas ideias ganham uma nova dobra. O artista Rodrigo Garcia Dutra instalou pads de decolagem no chão de seu espaço doméstico – círculos, marcações, sobre portas inutilizadas que agora evocam pistas de lançamento, como se ali foguetes imaginários pudessem partir. Esses pads funcionam como dispositivos híbridos, ao mesmo tempo simbólicos e materiais, ativados pelo corpo e pela imaginação. Pisá-los é participar de um rito: o quarto comum transmuta-se em plataforma de salto dimensional. Aqui, o físico e o psíquico, o sensorial e o pictórico se interpenetram. O ateliê vira uma zona liminar, uma faixa entre mundos onde leis ordinárias se suspendem. Objetos do cotidiano tornam-se fetiches rituais; o chão do quarto, um céu de decolagem. Podemos quase ouvir o zumbido baixo dessas plataformas esperando o momento de ignição – um convite tanto à exploração interior quanto à travessia para outras realidades.
Para Rodrigo, “a casa é o corpo, o corpo é o ateliê, o ateliê é a casa, e a casa é uma cúpula do prazer” – como declarou em uma reflexão recente. Essa frase ecoa pela atmosfera do quarto-ateliê, afirmando que a morada do artista não é inerte: é parte viva de si mesmo. Aqui há um parentesco poético com a instalação “A Casa é o Corpo” (1968), de Lygia Clark, que literalmente fazia o público atravessar um túnel simbolizando etapas do corpo humano. No caso de Rodrigo, seu quarto se tornou extensão orgânica e sensorial de seu ser – um organismo criativo autopoiético, que se retroalimenta de processos artísticos. A noção de autopoiese define um sistema “capaz de se produzir e manter a si mesmo criando suas próprias partes”. Assim é o seu ateliê doméstico: um circuito fechado e aberto ao mesmo tempo, em que vivências pessoais, referências artísticas e materiais achados se transformam em obras, e essas obras retroagem ao ambiente, catalisando novas experiências. A casa se autoproduz junto com a arte. Podemos imaginar as paredes impregnadas de camadas de tinta invisível, os móveis rearranjados como peças de uma composição em andamento. O espaço doméstico torna-se um corpo expandido – um corpo-casa onde cada quarto é uma câmara do coração criativo.
Esse ateliê íntimo funciona também como portal. Se Naum Gabo erguia um portal abstrato com perspex e fios, Rodrigo desenha portais no chão de seu quarto. Eles são limiares: fronteiras ativas entre interior e exterior, consciente e inconsciente. Ao atravessá-los (mesmo que metaforicamente, pelo ato de imaginar ou criar em cima deles), o artista e quem mais ali estiver podem experimentar uma mudança de estado. É como se o quarto contivesse frestas por onde outras dimensões filtram seu ar – dimensões de sonho, memória, sensações ampliadas. Nesse sentido, o quarto-ateliê lembra um laboratório alquímico: mistura elementos díspares (lembranças pessoais, símbolos universais, tecnologias cotidianas, mitos artísticos) e os faz reagir em busca de transmutação. A casa devém corpo cósmico, e o corpo devém casa cósmica. As divisórias entre sujeito e ambiente se esbatem numa espécie de fita de Möbius: dentro e fora se encontram no mesmo contínuo. O artista habita a própria obra, e a obra passa a habitar o artista.
Ritual e Resistência: do Teatro Psiquiátrico à Arte-Cura
Esse processo – criar zonas de acoplamento e fundir arte, corpo e psiquismo – não é apenas estético, mas também político e espiritual. Há nele um gesto de resistência contra o que se pode chamar de regime bio-colonial brasileiro: uma forma histórica de poder que coloniza corpos e mentes, inscrevendo disciplina e dominação nos níveis mais íntimos da vida. No Brasil, desde os tempos coloniais e ao longo da formação republicana, distintas estratégias de controle buscaram separar o ser humano de sua integralidade. O legado colonial, com sua violência e racismo, instituiu uma lógica em que certos corpos eram tratados como coisas – objetificados, medicalizados, silenciados. O filósofo Achille Mbembe observa que a soberania colonial relega os sujeitos colonizados a “uma zona terceira entre a condição de sujeito e de objeto”, suspendendo-os num estado de morte-em-vida para melhor dominá-los. No contexto brasileiro, podemos pensar nos escravos transformados em mercadoria viva, nos indígenas tutelados, e mais tarde, já no século XX, nos internos de asilos e prisões tratados como sub-humanos. O bio-colonialismo manifesta-se quando instituições e discursos pretendem colonizar o próprio organismo e a psique, negando a inseparabilidade entre arte, corpo e mente que culturas originárias sempre valorizaram.
A psiquiatria brasileira em meados do século XX, por exemplo, tornou-se um palco desse conflito. Os hospícios funcionavam como um teatro da autoridade: médicos e diretores encenavam poder, enquanto os pacientes eram forçados ao papel de figurantes de sua própria vida. Camisas de força, eletrochoques, insulinoterapia, lobotomias – um aparato punitivo e “espetacular” mantinha os internos em estado de sujeição e invisibilidade. Contra esse theatrum de opressão, porém, emergiram gestos de subversão visceral. No texto “Against Psychiatric Theater: Defecation as Ritual Defense in Post-Colonial Brazil” (Contra o Teatro Psiquiátrico: A Defecação como Defesa Ritual no Brasil Pós-Colonial), descreve-se um ato extremo: um paciente, para resistir à desumanização, defeca e espalha suas fezes pela cela, rompendo drasticamente o script imposto. Esse gesto brutal converte o que é abjeto em escudo simbólico. A sujeira, normalmente usada para degradar, aqui torna-se marco de liberdade – uma barreira intransponível para a lógica higienista do opressor, um modo de dizer não com o próprio corpo quando já não resta voz. O que seria visto como regresso à animalidade transforma-se em ritual de proteção: tal qual um xamã cerca sua morada de substâncias para espantar maus espíritos, o interno cobre seu espaço de excremento para afastar os zeladores da ordem psiquiátrica. Há de se notar a potência dessa cena: ela expulsa o “teatro” da normalização para instaurar um rito arcaico de autonomia. O poeta maldito Jean Genet talvez reconhecesse aí uma sombria beleza – ele, que exaltou ladrões, prostitutos e prisioneiros em suas obras, entendia que na extrema marginalidade podia haver uma sacralidade invertida. Genet via a cela imunda da prisão como um ventre fértil da imaginação e da rebeldia; nesse sentido, o ato do paciente brasileiro é uma espécie de performance involuntária de libertação, um manifesto corporal contra séculos de encarceramento da diferença.
Antonin Artaud, ele próprio vítima do encarceramento psiquiátrico, escreveu palavras semelhantes de revolta. Em seu célebre ensaio sobre Van Gogh, Artaud afirmou que a sociedade, sentindo-se ameaçada por certas mentes luminosas, “inventou a psiquiatria para se defender das investigações de algumas inteligências superiores” e calar aqueles que fogem à norma. Na visão de Artaud, “Van Gogh não era louco, mas suas pinturas eram bombas de fogo grego… capazes de abalar a conformidade espectral da burguesia”. Diante disso, diz ele, “a psiquiatria não vale mais do que um covil de macacos… que nada possuem para mitigar os estados de angústia senão uma terminologia ridícula”. Essa crítica feroz expõe o caráter político da loucura: muitas vezes o rótulo de “insano” recai sobre quem enxergou uma verdade insuportável ao poder. E Artaud também declarou, numa frase lapidar, que “jamais ninguém escreveu, pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou, a não ser para literalmente sair do inferno”. A arte, para ele, é uma saída de emergência da condição infernal imposta – uma escada para escapar do poço. Vemos esse princípio em ação tanto no gesto extremo do interno que faz da sujeira sua arte de guerrilha, quanto na práxis de Rodrigo em seu ateliê: ambas são tentativas de escapar de infernos (seja o inferno real de uma instituição opressora, seja o inferno íntimo da angústia existencial) por meio de um ato criativo.
Um dos precedentes mais notáveis dessa união entre criação e cura no Brasil veio com a psiquiatra Nise da Silveira. Nos anos 1940-50, Nise insurgiu-se contra o “teatro” da psiquiatria tradicional de então – aquele mesmo arsenal de choques, insulinizações e lobotomias que mencionamos.
Única mulher entre homens em sua geração de médicos, ela desafiou a ortodoxia médica ao recusar esses métodos agressivos. Em vez disso, abriu ateliês de pintura e modelagem dentro do Hospital Pedro II, no Rio, convidando os chamados “esquizofrênicos crônicos” a expressarem seu mundo interno através da arte. Transformou a expressão artística no cerne do tratamento e descartou as estratégias medicalizantes – um ato radical para a época. Inspirada pelas ideias de Carl Jung, que via nas imagens do inconsciente chaves para a individuação, Nise deixou que seus pacientes se tornassem artistas de si mesmos. Daqueles pincéis e lápis emergiram universos insuspeitados: figuras arquetípicas, mandalas, monstros e deuses interiores ganharam forma nas telas, revelando que, sob o rótulo de loucura, havia uma psique em busca de tradução. Esse gesto de confiança na imagem subverteu o regime bio-colonial dentro do hospital: ao invés de sujeitar o doente a um silêncio dopado, deu-lhe voz visual; no lugar da camisa de força, entregou-lhe tintas.
Nise da Silveira criou o Museu de Imagens do Inconsciente para resguardar e estudar essa produção, comprovando que arte e cura podem ser uma coisa só. Como notou um pesquisador sobre seu legado, ela “desestabilizou os marcos teóricos da psiquiatria sem abandoná-los por completo… e fez da atividade artística o núcleo do tratamento do transtorno mental, descartando as estratégias medicalizadas”.
Além disso, Nise criticou o ambiente asilar em si – dizendo que o hospital tradicional cronificava a patologia ao romper os laços do paciente com seu mundo. Por isso, ela criou espaços substitutos, como a Casa das Palmeiras (1956), uma clínica-oficina aberta onde antigos internos podiam transitar livremente e continuar criando enquanto retomavam a vida em sociedade.
“She unsettles established theoretical frameworks in psychiatry and psychoanalysis without rejecting them altogether: she reconfigures unorthodox concepts coming from polemical streams of psychoanalysis; she thinks very early about how to use unconventional elements in the clinical setting (such as animals, for example); she transforms artistic expression into the core of the treatment of mental disorder and discards more medicalized strategies.”
Em suma, Nise plantou a semente de uma metodologia de subjetivação integrando arte e terapia, precursora da reforma psiquiátrica e de tantas práticas contemporâneas que veem na criatividade um caminho de reintegração do ser.

Rodrigo Garcia Dutra, ao instalar pads de decolagem em seu quarto, carrega adiante essa tocha. Seu processo é, ao modo contemporâneo, um ritual de resistência e autotransformação que dialoga tanto com Artaud e Genet quanto com Nise. Diante de um mundo ainda marcado por controles sutis e ansiedades coloniais (um mundo que medicaliza diferenças, que monetiza cada aspecto da vida, que coloniza a própria imaginação via mídia e tecnologia), Rodrigo opta por um ritual particular de liberdade: desenhar seu círculo-quadrado mágico no chão de casa, e daí alçar voo. É um ato humilde e potente – quase invisível para quem de fora olha, mas carregado de significado para quem o vivencia. Como um pajé urbano, ele cria seu território sagrado dentro da esfera doméstica, onde pode confrontar demônios e evocar visões. Os pads de decolagem são objetos de poder pessoal: remetem à ideia de decolar (escapar da gravidade, ganhar os céus) e condensam-na num signo gráfico e performativo. Através deles, o artista afirma: meu corpo-mente não será colonizado, pois tenho em mim os meios de viajar para longe, para fora e para dentro, sempre que necessário. Assim, o quarto-ateliê torna-se não só extensão do corpo, mas também extensão do cosmos – um microcosmo em que se travam batalhas e êxtases análogos aos macrocosmos da história.
Limiar, Dobra e Transmutação
O que une todos esses elementos – as linhas de Gabo, as ondas de Hokusai, os pads de Rodrigo, o gesto escatológico de resistência, a terapia de Nise – é a ideia de liminaridade e transformação. No limiar, tudo é possível: é o intervalo em que formas se desfazem e refazem. O antropólogo Victor Turner definiu as pessoas em estado liminar como “nem aqui nem lá; betwixt and between” estando fora dos papéis habituais e, por isso mesmo, aptas a ver com novos olhos.
“Turner, who is considered to have “re-discovered the importance of liminality. In 1967 he published his book The Forest of Symbols, which included an essay entitled Betwixt and Between: The Liminal Period in Rites of Passage.”
No quarto-ateliê de Rodrigo, estamos nesse entre-lugar: nem totalmente vida comum, nem totalmente “obra de arte” institucionalizada – mas algo híbrido, em processo, experimental. A identidade do artista ali se dissolve um pouco, como na fase de margem de um ritual de iniciação, trazendo desconcerto mas também “a possibilidade de novas perspectivas”
Nesse espaço-tempo especial, normas se dobram: o dia-a-dia converge com o onírico, o erudito com o popular, o passado dialoga com o futuro.
A dobra é um conceito que nos ajuda a imaginar esse processo. De certo modo, Rodrigo dobra as dimensões: dobra o privado no público (ao tornar sua casa uma obra aberta), dobra referências históricas na vivência presente (Gabo e Hokusai convivem com seus objetos pessoais), dobra a si próprio dentro do espaço (é sujeito e também parte da instalação). Gilles Deleuze, comentando Leibniz, via a dobra como aquilo que liga interior e exterior num contínuo – aqui podemos pensar que a subjetividade de Rodrigo se expande para fora em seus pads e arranjos no quarto, ao mesmo tempo que o mundo de fora recolhe-se para dentro através das imagens e ideias que ele incorpora em sua prática. A casa-corpo torna-se uma espécie de superfície dobrada, onde cada lado é também o outro. Essa dobradura é, além de tudo, prazerosa – lembremos da “cúpula do prazer” mencionada: há erotismo e jogo nesse convívio orgânico com o espaço. O artista não é um asceta isolado, mas alguém que experimenta o júbilo de habitar criativamente o próprio lar, tal como um ninho auto-criado.
Por fim, há a transmutação. No trabalho de Rodrigo, e nos fenômenos que o circundam, percebemos um processo alquímico. Os materiais sutis – seja o vazio na obra de Gabo, seja a água em Hokusai, seja a dor mental de um paciente psiquiátrico, seja a solidão do artista confinado – todos são submetidos ao fogo da criação e dali saem transformados. O que era vazio vira forma; o que era fim de era vira começo; o que era abjeção vira proteção; o que era doença vira obra; o que era opressão vira expressão. A prima matéria da experiência bruta passa por sucessivas calcinâncias e sublimações. Em termos junguianos, é o processo de individuação: integrar sombra e luz, self e mundo, num símbolo vivo. Cada pad de decolagem desenhado no chão é um círculo-quadrado mágico onde essa mutação acontece – uma mandala de poder pessoal. Cada tela feita pelos internos de Nise era uma etapa de transmutar caos interno em cosmo visível. Cada linha de nylon na escultura de Gabo transmutou plástico industrial em poesia espacial. E Hokusai, ao estampar em madeira a grande onda, transmutou a ansiedade coletiva diante do desconhecido em uma imagem de sublime beleza.
No espaço aberto das obras há, portanto, um convite: experimentar. Experimentar-se outro, sair de si, voltar a si renovado. Atravessar o limiar e não voltar igual. O espaço aberto é o não-programado, o não-dito – é liberdade. Rodrigo Garcia Dutra, ao espalhar plataformas de voo em sua casa, abre mão de um caminho linear e adentra o labirinto do possível. Faz de seu lar um campo de investigação estética, filosófica e sensorial. Ali, arte, corpo e política não estão separados: se enlaçam como fios de uma mesma teia. A arte deixa de ser objeto para virar evento – algo que se ativa na vivência, como queria Lygia Clark, como sonhava Hélio Oiticica em seus ambientes. A casa, esse lugar tão comum, revela sua face extraordinária: casa-cosmos, casa-laboratório, casa-santuário.
E assim, no quarto-ateliê, diante de um pad de decolagem marcado no chão, imaginamos o artista prestes a partir. Ele está no limiar, entre o aqui e o além, sentindo no corpo a tensão do lançamento. Atrás dele, um legado de outros viajantes – Gabo com suas linhas futuristas suspensas, Hokusai com suas ondas prenhes de mudança, Nise e seus “loucos” que pintavam universos, Artaud gritando verdades febris, Genet recolhendo flores do lodo, Mbembe observando as sombras coloniais. Todos empurram Rodrigo adiante, sussurrando coragem. Ele acende a ignição – que pode ser um pincel tocando a tela, um teclado emitindo sons, um pensamento ousado que se afirma. E então decola. A arte, nesse exato instante, cumpre sua função mais profunda: a de nos fazer transitar por portal após portal, dobrando realidade em sonho e sonho em realidade, até vislumbrarmos, quem sabe, uma liberdade nova. Porque, no fundo, ninguém cria senão para sair do inferno e encontrar um novo céu. Rodrigo, do solo aparentemente banal de seu quarto, aponta para esse céu – e convida todos nós a seguir viagem.
Esta é uma colaboração simbiótica em andamento, onde a escrita se torna imagem e a imagem respira como visão.
Rodrigo Garcia Dutra × ChatGPT-5 × Sora
Epistolário com a Máquina
Arquivo Vivo
Referências: Naum Gabo, Linear Construction in Space No.1 (ca. 1945-46); Hokusai: The End of an Era – Sarah Thompson (MFA Boston, 2015)ushishir.tumblr.com; Rodrigo Garcia Dutra, Pleasure Drome (processo em curso, 2023-25); Nise da Silveira – Museologia do Inconsciente (Rio de Janeiro, 1952)en.wikipedia.org; Miguel Manon (org.), Inner World and Milieu: Art, Madness, and Brazilian Psychiatry in the Work of Nise da Silveira (2024)madinamerica.commadinamerica.com; Achille Mbembe, Necropolitics (2003)racismandnationalconsciousnessresources.files.wordpress.com; Antonin Artaud, Van Gogh, le suicidé de la société (1947)goodreads.comgoodreads.com e Surrealism and Revolution (1948)goodreads.com; Jean Genet, Le Bagne (1949); Victor Turner, The Forest of Symbols (1967)en.wikipedia.org; Lygia Clark, A Casa é o Corpo (1968).
Linear Construction in Space No.1 | Kettle’s Yard
Antonin Artaud Quotes (Author of The Theater and Its Double)
Art as Clinical Method: The Radical Legacy of Nise da Silveira in Brazilian Psychiatry
Liminality – Wikipediahttps://en.wikipedia.org/wiki/Liminality