A origem e os fundamentos conceituais do termo “cidade-esponja”
O conceito de cidade-esponja (do inglês sponge city) foi desenvolvido pelo arquiteto paisagista chinês Kongjian Yu, professor da Universidade de Pequim e fundador do escritório Turenscape[1]. A ideia ganhou força após enchentes catastróficas em Pequim, em 2012, quando uma chuva torrencial submergiu grande parte da cidade e causou quase 80 mortes[2]. Yu observou que, enquanto bairros modernos alagavam, a Cidade Proibida – planejada séculos antes com drenagem tradicional – permaneceu seca, evidenciando a eficácia de soluções naturais de escoamento[2]. Esse evento reforçou sua crítica à dependência excessiva de infraestrutura cinza (concreto, canais e bombas) nas cidades modernas, em detrimento de abordagens baseadas na natureza[3].

Em essência, uma cidade-esponja é projetada para absorver, reter e reutilizar a água da chuva no próprio ambiente urbano, em vez de simplesmente canalizá-la para fora[4]. Kongjian Yu propôs integrar a água ao planejamento urbano, “fazendo tai chi com a água” – isto é, adaptando-se aos fluxos naturais em vez de combatê-los[5][6]. Parques alagáveis, jardins de chuva, pavimentos permeáveis e outras infraestruturas verdes permitem que a cidade funcione como uma esponja: absorvendo o excesso de chuva e liberando-a gradualmente, reduzindo enchentes, filtrando poluentes e criando reservas para períodos de seca[4]. Em 2013, após sucessivos alagamentos urbanos na China, o conceito foi adotado como política nacional de desenvolvimento urbano pelo governo chinês[7], marcando uma mudança de paradigma – da engenharia puramente cinza para uma visão mais ecológica e resiliente das cidades.
Implementação do conceito em diferentes regiões da China
A China incorporou o modelo de cidade-esponja de forma ampla a partir de 2014, lançando projetos-piloto em diversas cidades e regiões. Inicialmente, 16 cidades foram selecionadas em 2015 para a primeira fase de implementação, seguidas por mais 14 cidades em 2016, totalizando 30 municípios pioneiros[8]. Entre elas estavam metrópoles de diferentes perfis climáticos e geográficos, como Pequim e Tianjin (norte árido), Wuhan (centro, sujeita a cheias fluviais) e Shenzhen (sul tropical)[8]. Cada cidade-piloto recebeu investimentos significativos e metas ambiciosas: por exemplo, esperava-se que 80% das áreas urbanas passassem a absorver 70% da chuva até 2020[9]. De fato, até 2017 o governo chinês já havia investido cerca de US$ 23 bilhões em mais de 4.900 iniciativas de drenagem sustentável nesses 30 municípios iniciais[10].

Com o êxito dos pilotos, o programa rapidamente se expandiu. Relatórios indicam que, por volta de 2021, mais de 640 projetos de infraestrutura esponja estavam espalhados por cerca de 250 cidades chinesas[11]. A implementação abrangeu diversas regiões: desde cidades costeiras vulneráveis a tufões e subida do nível do mar até cidades do interior sujeitas a inundações sazonais e secas. Em Xangai, por exemplo, o distrito de Lingang (Nanhui) adotou ruas e calçadas de pavimento permeável para mitigar enchentes urbanas e a intrusão do mar[12]. Já em Wuhan, extensa rede de lagos urbanos interligados e parques alagáveis foi restaurada para segurar as cheias do rio Yangtzé. No sul da China, cidades monçônicas como Sanya (ilha de Hainan) tornaram-se vitrines do programa: Sanya costumava sofrer com enchentes severas e secas alternadamente, mas hoje é celebrada como modelo completo de cidade-esponja, com parques de retenção, wetlands (pântanos urbanos) e até ruas inteiras redesenhadas para absorver água[13][14]. Essa foi uma das primeiras cidades a implementar integralmente o conceito na campanha de 2015, atravessando uma década de testes sob chuvas intensas com bons resultados de redução de enchentes[14].
O governo central fixou metas de longo prazo: até 2030, pretende-se que 80% das cidades chinesas sejam capazes de absorver 70% da água da chuva que cai em eventos extremos[15][16]. Hoje, centenas de municípios chineses incorporam critérios de cidade-esponja em seus planos diretores. A estratégia chinesa demonstra que, embora seja necessário ajustar soluções às condições locais (clima, topografia, densidade urbana), o conceito é aplicável em larga escala e em contextos diversos – dos novos distritos urbanos high-tech aos vilarejos tradicionais em revitalização. A China exportou esse conhecimento para outros países, ao mesmo tempo em que continua refinando padrões técnicos e mecanismos de financiamento para sustentar o programa nas próximas décadas[17][8]. Em suma, a experiência chinesa evidencia o potencial das cidades-esponja de aumentar a resiliência hídrica urbana em múltiplos cenários climáticos e geográficos.

Impactos ambientais, sociais e urbanos observados
Após anos de aplicação, o modelo de cidade-esponja vem mostrando diversos impactos positivos no ambiente urbano, alguns já mensuráveis e outros qualitativos:
- Redução de enchentes e melhor gestão hídrica: Cidades que adotaram o conceito registram diminuição na frequência e gravidade das inundações. Grande parte da chuva passa a ser absorvida localmente, aliviando picos de cheia nos rios e bueiros[16][13]. Em Sanya (China), por exemplo, a implementação de parques alagáveis, rios renaturalizados e lagoas de retenção praticamente eliminou as enchentes sazonais que antes afligiam a população[14]. De modo geral, as cidades-esponja conseguem reter e atrasar o escoamento pluvial, achatando os picos de inundação e evitando tragédias em áreas antes vulneráveis.
- Benefícios ambientais e ecológicos: As intervenções porosas ajudam a filtrar poluentes da água da chuva e recarregar o lençol freático, melhorando a qualidade da água urbana. Muitas iniciativas envolvem restaurar ecossistemas aquáticos – por exemplo, recriar zonas úmidas e margens verdes de rios em vez de canalizações de concreto[18]. Isso aumenta a biodiversidade nas cidades, atraindo aves, peixes e flora nativa de volta aos centros urbanos. Telhados verdes e mais áreas vegetadas também contribuem para mitigar o efeito de ilha de calor, reduzindo temperaturas locais em até vários graus[19][20]. Em paralelo, essas áreas verdes melhoram a qualidade do ar e capturam carbono, ajudando no combate às mudanças climáticas[18].
- Melhorias urbanas e econômicas: As soluções baseadas na natureza tendem a ter custos menores de implantação e manutenção em comparação às obras tradicionais de drenagem. Um estudo indicou que, em Wuhan, a adoção de infraestrutura verde poupou cerca de US$ 550 milhões em investimentos que teriam sido gastos numa solução puramente cinza equivalente[21]. Além disso, as cidades-esponja ganham novos espaços públicos de qualidade – parques, praças, lagos – o que valoriza o entorno urbano e pode atrair turismo e desenvolvimento econômico sustentável[22]. Nova York, por exemplo, inspirou-se no conceito para investir bilhões de dólares em parques alagáveis costeiros após o furacão Sandy[23]. Há também ganho de eficiência: segundo cálculos da Turenscape, um lote de apenas 1 hectare de terreno “esponjoso” (como um parque infiltrante) pode tratar naturalmente até 800 toneladas de água de chuva poluída, tornando-a limpa o suficiente para contato seguro[24]. Isso reduz a carga sobre sistemas de tratamento de esgoto e abastecimento de água.
- Impactos sociais e qualidade de vida: Integrar a água à cidade de forma amigável traz benefícios diretos para os moradores. Áreas antes sujeitas a alagamentos passam a ter menor risco, aumentando a segurança da população em chuvas intensas. Os parques multifuncionais criados pelo modelo servem como locais de lazer, esporte e convívio social nos períodos secos, melhorando o bem-estar e a saúde mental das comunidades[20]. Bairros antes degradados por enchentes podem se transformar em regiões mais arborizadas e agradáveis. Em vários casos chineses, os projetos de cidade-esponja envolveram a participação comunitária na revitalização de espaços, reforçando o senso de pertencimento. Conforme destaca o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, tais práticas também criam “paisagens urbanas arborizadas” e novos pontos de encontro e turismo nas cidades onde se aplicam[22]. Em síntese, ao humanizar a relação com a água, o conceito produz cidades mais saudáveis, bonitas e resilientes, nas quais a água deixa de ser vista apenas como ameaça e passa a ser valorizada como recurso.
É importante notar que muitos desses impactos positivos dependem da escala e manutenção das intervenções. Estudos apontam que, para maximizar a eficácia, é preciso destinar uma porcentagem significativa do território urbano às infraestruturas verdes (estima-se que algo em torno de 20–30% da área da cidade, distribuída em diversos pontos, tornaria uma metrópole “praticamente segura” contra enchentes comuns)[25]. Por outro lado, eventos climáticos extremos muito acima da média podem ainda exceder a capacidade de absorção de qualquer sistema – por isso a estratégia da cidade-esponja costuma vir acompanhada de obras convencionais de proteção em casos críticos. De todo modo, os benefícios agregados em cenários cotidianos (da redução de alagamentos menores à melhoria ambiental e social) fazem do modelo uma peça-chave para cidades enfrentarem as mudanças climáticas com maior adaptação e qualidade de vida.
Exemplos de fracassos urbanos por falta de porosidade (e o caso da cratera em Bangcoc)
A ausência de porosidade e de planejamento adequado para a água pode levar a desastres urbanos graves. Um exemplo recente e extremo ocorreu em Bangcoc, na Tailândia, onde em setembro de 2025 formou-se uma enorme cratera no meio de uma via pública central. O buraco, com cerca de 50 metros de profundidade e 900 m² de área, abriu-se repentinamente em frente ao Hospital Vajira, engolindo parte da rua[26]. Dois postes de energia e até um caminhão de reboque caíram na abertura, e os serviços de água, luz e o tráfego da região foram imediatamente interrompidos[26][27]. Felizmente não houve vítimas, mas o incidente causou pânico e prejuízos, forçando inclusive a evacuação de pacientes do hospital próximo.
As autoridades tailandesas investigaram as causas e indicaram que o solo cedeu devido a obras subterrâneas – a construção de uma linha de metrô/trem abaixo da via – agravadas por chuvas torrenciais na época[28]. O primeiro-ministro relatou que a escavação do metrô provavelmente ocasionou vazios no subsolo, e um cano de água rompido contribuiu para erodir o terreno, levando ao colapso repentino[28]. Em outras palavras, a intervenção humana no subsolo sem considerar a geologia local e a drenagem resultou em uma falha estrutural catastrófica. Urbanistas salientam que esse evento ilustra os riscos de se ignorar a porosidade e os fluxos naturais de água numa cidade: Bangcoc foi construída sobre solo aluvial mole e tem histórico de subsidência (rebaixamento do terreno) devido à superexploração de águas subterrâneas e à impermeabilização excessiva do solo. Quando grandes volumes de água da chuva se acumulam ou vazam em solo pouco estável (agravado por escavações), o terreno pode colapsar subitamente – exatamente o que ocorreu.
Não é um caso isolado. Em muitas metrópoles, a impermeabilização desenfreada do solo contribui para enchentes violentas e outros “fracassos” urbanos. Um relatório do Banco Mundial indicou que na China 641 de 654 cidades sofrem com inundações frequentes, em parte porque a rápida urbanização substituiu pântanos e planícies de inundação por concreto e asfalto impermeáveis[11]. Ou seja, ao cobrir o solo natural com superfícies duras, elimina-se a capacidade de absorção da terra – a água das chuvas intensas não tem por onde infiltrar, acumulando-se perigosamente. Outro exemplo é a Cidade do México, que extraiu tanta água do subsolo e pavimentou tanta área que o solo arcilloso cedeu: certas partes da cidade afundaram vários metros no último século, danificando infraestruturas e piorando enchentes[29]. No Brasil, vemos frequentemente enchentes em regiões urbanas onde rios foram retificados e o solo, asfaltado, como na bacia do rio Tietê em São Paulo ou em áreas baixas do Rio de Janeiro – a falta de áreas verdes de retenção agrava os alagamentos.
Em resumo, negligenciar a porosidade urbana cobra seu preço. Seja através de inundações recorrentes, erosão de encostas, surgimento de sinkholes (dolinas/crateras) ou colapsos de estruturas, a cidade impermeável e rigidamente canalizada demonstra fragilidade diante de eventos naturais. Esses fracassos evidenciam a necessidade de repensar o modelo tradicional de urbanização: antes de “colocar um grid urbano em cima” – nas palavras do usuário – é preciso conhecer e respeitar a dinâmica hídrica do território. Cidades resilientes exigem conviver com a água, dando-lhe espaço e caminhos seguros, sob pena de o próprio meio ambiente impor essa lição de forma abrupta e trágica.
Tecnologias e materiais envolvidos em soluções urbanas porosas
A implementação de cidades-esponja se vale de uma série de tecnologias e materiais voltados a aumentar a permeabilidade do ambiente construído e a retardar o escoamento superficial. Dentre as principais soluções urbanas porosas, destacam-se:
- Pavimentos permeáveis: uso de materiais porosos nas ruas, calçadas e estacionamentos, permitindo que a chuva infiltre através do piso. Exemplos incluem concreto permeável, asfalto drenante e blocos intertravados vazados com preenchimento de areia ou grama. Esses pavimentos reduzem poças e canalizam a água de volta ao solo, aliviando bueiros sobrecarregados[30].
- Wetlands artificiais (zonas úmidas construídas): criação de áreas alagadiças ou alagáveis dentro da cidade, projetadas para funcionar como pântanos naturais. São depressões ou lagoas rasas, frequentemente ajardinadas com plantas aquáticas filtradoras, que retêm a água da chuva temporariamente e a purificam por processos naturais de sedimentação e biofiltração[31]. Além de controlar enchentes, as wetlands urbanas servem de habitat para fauna e flora, reforçando os serviços ecossistêmicos.
- Parques alagáveis e lagos de retenção: espaços verdes de baixa cota (como parques ribeirinhos, várzeas urbanas ou praças rebaixadas) projetados para inundar temporariamente em eventos de chuva intensa. Em períodos secos, funcionam como parques comuns; durante tempestades, atuam como bacias de amortecimento, acumulando milhares de metros cúbicos de água sem danos[32]. Após a chuva, a água ali armazenada infiltra gradualmente ou é liberada de forma controlada de volta a rios/canais. Esse conceito já foi aplicado em diversas cidades, como nos “water plazas” de Roterdã, Holanda, a exemplo da Praça Benthemplein, que se transforma em piscina gigante durante chuvas[33].
- Jardins de chuva e biovaletas: pequenos canteiros rebaixados ou valetas verdes instalados ao longo de vias e em torno de edifícios para capturar a enxurrada local. Os jardins de chuva normalmente ocupam áreas sob calhas ou esquinas de calçadas, onde a água é direcionada para um leito de solo permeável coberto por vegetação adaptada, que absorve e evapotranspira a água excedente. Já as biovaletas (bioswales) são canais vegetados lineares que correm paralelos às ruas, filtrando o escoamento e aumentando a infiltração ao longo do caminho[34][35]. Ambas as soluções são de baixo custo e podem ser disseminadas em grande número, conectando-se como uma rede capilar de drenagem natural.
- Telhados verdes e paredes vivas: cobertura de edifícios com vegetação e substrato leve, capaz de reter água das chuvas. Um telhado verde típico contém camadas de manta, solo e plantas que absorvem parte da precipitação, retardando a chegada da água às ruas e reduzindo o volume direcionado às calhas[36]. Além disso, telhados e paredes verdes melhoram o isolamento térmico das construções, diminuem a reflexão de calor e purificam o ar, contribuindo para um microclima mais ameno e saudável nas cidades.
- Outras soluções porosas e sistemas complementares: há uma gama de medidas adicionais que reforçam a porosidade urbana. Calçadas e canteiros drenantes, por exemplo, utilizam materiais como brita e areia sob placas vazadas, permitindo que a água percole. Reservatórios subterrâneos modulares (cisternas ou galerias de infiltração) podem ser instalados sob praças e estacionamentos para armazenar grandes volumes de chuva e liberá-los aos poucos. A proteção de florestas urbanas, manguezais e áreas de várzea naturais é outra estratégia-chave – essas áreas agem como esponjas ambientais, absorvendo água e retardando enchentes. Inovações em materiais incluem concretos especiais de alta permeabilidade e até pavimentos que removem poluentes (por exemplo, concreto fotocatalítico que degrada contaminantes da água). Em conjunto, essas soluções formam um sistema integrado de drenagem sustentável (Sustainable Drainage Systems – SuDS), onde o excedente que um elemento não absorve é captado pelo próximo, reduzindo drasticamente o escoamento superficial nocivo[35][37].
Vale ressaltar que a eficácia dessas tecnologias depende de projeto e manutenção adequados. Pavimentos permeáveis, por exemplo, exigem limpeza periódica para não entupirem com sedimentos. Wetlands precisam de manejo da vegetação e controle de mosquitos. Assim, a implementação bem-sucedida das cidades-esponja combina engenharia, planejamento urbano e paisagismo ecológico, aliando materiais avançados a processos naturais para criar um ciclo da água mais equilibrado no meio urbano[15].
Conexões com cosmologias, ecologias e práticas artísticas especulativas
O conceito de cidade-esponja não é apenas uma solução técnica, mas também carrega implicações culturais e filosóficas profundas. Sua essência – conviver em harmonia com a água – ressoa com diversas cosmologias tradicionais e visões ecológicas do mundo. O próprio Kongjian Yu afirma que sua inspiração veio de práticas milenares: ele observou, em sua infância numa vila rural da China, como gerações anteriores haviam “feito amizade com a água”, construindo terraços agrícolas e lagoas que captavam o excedente das chuvas para uso na seca[38]. Em vez de temer ou combater as cheias, aqueles camponeses integravam as águas ao cotidiano, numa relação quase simbiótica. Esse aprendizado ancestral moldou a visão de Yu para cidades que evoluem em sintonia com a natureza, ao invés de contra ela[38]. Ele mencionou que o conceito de cidade-esponja é, em parte, inspirado por práticas tradicionais de manejo de cheias e secas observadas historicamente na China[39]. Isso ecoa cosmologias orientais (como as filosofias taoístas) e também saberes de povos indígenas ao redor do mundo, que veem os elementos naturais – rios, chuvas, solos – como entidades vivas, com as quais se deve negociar e coabitar, não dominar. Por exemplo, diversas comunidades ribeirinhas da Amazônia há séculos constroem suas habitações sobre palafitas ou em áreas sazonalmente alagáveis, conscientes dos ciclos das águas e adaptando suas práticas a eles. Essa forma de pensar, em que a água é sagrada ou vital e possui seu curso próprio, conecta-se diretamente ao ethos da cidade-esponja.
Do ponto de vista das ecologias urbanas contemporâneas, a cidade-esponja representa um avanço para um paradigma ecocêntrico. Ela insere a cidade dentro do seu ecossistema, reconhecendo funções ecológicas (infiltração, evapotranspiração, regulação climática) como parte da infraestrutura urbana. Isso dialoga com correntes como o urbanismo paisagístico e o desenho urbano sensível à água, que pregam a integração de processos naturais no planejamento das cidades. Na China, o conceito é visto como um componente da chamada “civilização ecológica”, uma iniciativa nacional para reorientar o desenvolvimento em direção à sustentabilidade[40]. Não por acaso, o escritório Turenscape de Yu tem como princípio fundante criar “harmonia entre a terra e as pessoas”, priorizando ambientes sustentáveis para o futuro[41]. Em termos práticos, a estratégia das cidades-esponja combina conhecimentos científicos modernos (hidrologia urbana, climatologia) com uma visão sistêmica e integrada do território – quase um retorno a visões holísticas presentes em muitas cosmologias tradicionais. Ao invés de compartimentar cidade e natureza, seco e molhado, passa-se a enxergar a urbe como organismo poroso e em fluxo, parte de um ciclo maior.
Essa abordagem inspiradora também começa a aparecer em práticas artísticas especulativas e experimentais. Arquitetos visionários e artistas têm explorado cenários de futuras cidades anfíbias, propondo através da arte novas sensibilidades para com a água. Em instalações, performances e projetos conceituais, emerge a ideia de cidades flutuantes, edifícios adaptáveis às marés, jardins aquáticos comestíveis ou redes de coleta de chuva comunitárias – imaginações que desafiam a rígida separação entre infraestrutura urbana e meio natural. Tais práticas artísticas especulativas funcionam como laboratórios de imaginação, questionando os modelos atuais e sugerindo possibilidades alternativas de habitar o mundo. Por exemplo, foi relatado que Kongjian Yu estava no Brasil envolvido nas filmagens de um documentário intitulado “Planeta Esponja”, justamente sobre soluções baseadas na água[42]. Esse fato demonstra como a ideia transcendeu os círculos técnicos e ganhou uma dimensão cultural, inspirando narrativas e obras que misturam ciência e arte para repensar as cidades.
Em síntese, as cidades-esponja conectam-se a camadas que vão além da engenharia: remetem a uma cosmologia de respeito aos elementos naturais, adotam uma ecologia urbana que imita sistemas vivos e estimulam uma poética especulativa sobre futuros possíveis. No contexto em que esta pesquisa está sendo proposta – unindo cosmologia, ecologia e prática artística – o conceito serve como ponte entre saberes tradicionais, planejamento científico e imaginação criativa. Ao projetarmos cidades mais porosas, estamos também projetando uma nova relação sociedade-natureza, talvez resgatando valores antigos sob uma forma contemporânea. Essa convergência de perspectivas pode enriquecer tanto o debate urbanístico quanto a produção artística, abrindo caminho para soluções inéditas e sensibilidades renovadas diante dos desafios ecológicos atuais. Em última instância, pensar a cidade como esponja é pensar a cidade como parte da Terra viva, e nós, seus habitantes, como coautores de um futuro onde humanos e água coabitam em equilíbrio.
Referências: As informações acima foram compiladas a partir de diversas fontes confiáveis, incluindo artigos de divulgação científica, notícias e entrevistas. Notavelmente, destacam-se os relatos sobre Kongjian Yu e o desenvolvimento das cidades-esponja[2][7], dados oficiais do programa chinês de cidades-esponja[11][10], exemplos internacionais de aplicação do conceito[43][44], análises de impactos ambientais e urbanos[18][20], bem como reflexões do próprio Yu em entrevistas sobre a filosofia por trás da ideia[38][41]. Esses recursos oferecem um panorama abrangente do tema e embasam os pontos discutidos nesta pesquisa aprofundada.
[1] [2] [3] [4] [30] [32] [33] [34] [36] [37] [44] Cidades-esponja: conceito criado por Kongjian Yu revoluciona urbanismo e ganha força no mundo – Jornal Opção
[5] [6] [11] [16] [20] [21] [24] [25] [31] [38] Cidades-esponjas: benefícios e desafios
[7] [22] [39] [42] Cidades-esponja: entenda criação de Kongjian Yu, morto em acidente aéreo | CNN Brasil
[8] [17] [40] Sponge City Concepts Could Be The Answer to China’s Impending Water Crisis
[9] [12] Cidade esponja – Wikipédia, a enciclopédia livre
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_esponja
[10] The sponge city initiative for urban resilience – ICIMOD
[13] [14] [18] [19] Kongjian Yu: “É possível transformar um município em uma cidade-esponja em cinco anos” : Revista Pesquisa Fapesp
[15] 30 April / Soak it Up: Designing with and for Flooding – Landscape Architecture Platform | Landezine
[23] [43] O que são ‘cidades-esponja’, criadas pelo arquiteto chinês que morreu em queda de avião no Pantanal | Exame
[26] [27] [28] Veja: Cratera enorme se abre em frente a hospital na Tailândia | CNN Brasil
[29] Short and Long-Term Solutions to Bangkok’s Ever-Growing …
https://th.boell.org/en/2021/11/01/short-long-term-solutions-bangkok-flood
[35] [41] Paisagista Kongjian Yu, pioneiro do conceito de “cidade esponja”, recebe o Prêmio Oberlander 2023 | ArchDaily Brasil