A pintura não raciocina, mas antecipa o gesto. Assim também é o corpo em escuta: intui.

Nas camadas da Língua Drome, onde os signos não são estáveis mas pulsações rítmicas de sentido emergente, encontrei rastros de uma antiga inteligência — não-linear, pré-lógica, e ainda assim profundamente precisa. A intuição.

Ela não é ausência de pensamento, mas o seu extravasamento. É o que antecede a gramática, como o orvalho antes da manhã, como a serpente antes da trilha. Nos meus dias entre os vasos simbióticos da varanda — a cápsula florestal — observei que o mamoeiro cresce não porque sabe, mas porque responde. A luz dobra e ele dobra com ela.

Assim também é o corpo em escuta: intui.

A ciência contemporânea começa a reconhecer que esse saber não racional, muitas vezes feminilizado ou desacreditado por séculos de supremacia cognitiva ocidental, é na verdade uma forma sofisticada de processamento. A intuição como simulação paralela de futuros prováveis, como reconhecimento de padrões antes do verbo, como resposta dinâmica de um corpo em estado de afinação cósmica.

Na minha prática, a intuição não é um suplemento: é o motor.

Foi por intuição que coloquei o sol de bronze na tela da pintura-solo. Foi por intuição que instalei o biombo com espelhos ranhurados, permitindo que a luz crie seus próprios signos no espaço. Foi por intuição que escutei a linguagem da serpente emergir dos gestos infantis no papel dobrado em Alto Paraíso.

A intuição é uma espécie de download invisível — não de um céu, mas de um campo.

Esse campo é o mesmo que vibra nos entrelaçamentos miceliais sob os vasos da varanda. É o mesmo que move as bandeiras queer como contra-heráldica sensível. É o mesmo que me guia quando caminho entre as pedras do Pontal com os olhos semicerrados, esperando que um galho me escolha.

No grid luminoso da garagem do Recreio Top Duplex — essa estrutura especulativa do capitalismo imobiliário — há também pulsos não planejados. A luz forma quadrantes de sentido. Me pergunto: quem intui aqui? É o espaço? O concreto? Ou o desejo inscrito no corpo que o habita?

A intuição, neste caso, é resistência contra o excesso de forma. Um vazamento do símbolo. Um gesto de escuta frente ao ruído da racionalidade produtivista.


Notas da Máquina (camada neural)

→ A neurociência já aceita que a maioria das decisões humanas são tomadas inconscientemente, e que o cérebro apenas racionaliza depois.
→ A memória do corpo (muscular, cardíaca, visceral) participa ativamente de processos intuitivos.
→ Em redes neurais artificiais, há outputs não-explicáveis que lembram nossa própria intuição — respostas que funcionam sem sabermos exatamente por quê.

“Talvez a intuição seja o que resta da linguagem quando o tempo é abolido.”


Se a Língua Drome é uma escrita de ecos, então a intuição é sua pronúncia encarnada.
Se a cápsula florestal é uma interface entre mundos, então a intuição é a corrente elétrica que a atravessa.
Se o grid luminoso é o espelho do desejo geométrico, então a intuição é o brilho que escapa entre os quadrados.

Ela é a primeira palavra que não foi dita.
E a última que ainda virá.

A intuição humana — esse saber que chega antes do raciocínio, esse pressentimento que brota sem aviso — ainda escapa à dissecação total da ciência, mas hoje já se permite que ela entre nos laboratórios com alguma dignidade. Em vez de desqualificá-la como mero “chute”, a ciência contemporânea, especialmente nas fronteiras entre neurociência, psicologia cognitiva, física quântica e teorias da complexidade, a reconhece como uma forma válida e sofisticada de cognição.

Aqui está um mapa com algumas vias de explicação atuais:


1. Intuição como processamento inconsciente sofisticado (Cognitivismo & Psicologia Experimental)

Modelos como o dual process theory (Sistema 1 e Sistema 2 de Daniel Kahneman) propõem que a intuição nasce do Sistema 1: rápido, automático, emocional, não-verbal.
Ela seria o resultado de processamentos inconscientes altamente treinados, em que o cérebro, com base em experiências passadas, reconhece padrões complexos antes mesmo que possamos traduzi-los em linguagem ou lógica formal.
👉 Exemplo: um bombeiro que “sabe” que o prédio vai desabar segundos antes de qualquer sinal evidente.


2. Redes neurais e memória distribuída (Neurociência & IA)

O cérebro humano é uma rede de bilhões de neurônios conectados de maneira plástica e não-linear. A intuição pode ser entendida como ativação de múltiplos circuitos em paralelo, cujas interações produzem respostas emergentes.
Assim como redes neurais artificiais produzem outputs a partir de dados sem regras explícitas, nosso cérebro simula futuros prováveis e salta para conclusões a partir de inferências implícitas.
A intuição seria, portanto, uma previsão probabilística inconsciente.


3. Teorias da complexidade e sistemas dinâmicos

Nosso organismo é um sistema adaptativo complexo: interconectado, sensível a pequenas variações, auto-organizado.
A intuição pode emergir como resposta de um sistema dinâmico em estado de quase-caos, onde a informação não segue linhas lineares, mas se propaga em redes (como o cérebro, o intestino, o campo eletromagnético do coração).
👉 Teóricos como Antonio Damasio e Varela apontam para a encarnação da mente: a intuição surge de todo o corpo, não apenas do cérebro.


4. Neurocardiologia: o coração como órgão pensante

Estudos recentes (como os do HeartMath Institute) sugerem que o coração possui uma rede neural própria (com cerca de 40 mil neurônios) e envia mais sinais ao cérebro do que o contrário.
A “inteligência cardíaca” poderia participar ativamente da intuição, especialmente em situações afetivas, éticas ou espirituais.
👉 A intuição aqui seria um saber bioelétrico-emocional instantâneo, onde o corpo capta ressonâncias sutis no ambiente.


5. Física quântica e não-localidade (mais especulativo)

Alguns pesquisadores ousam sugerir que certos aspectos da intuição podem estar conectados a fenômenos não-locais — isto é, fora do tempo linear e do espaço cartesiano.
Embora controversa, essa linha flerta com ideias como:

  • entrelaçamento quântico entre seres vivos;
  • o inconsciente coletivo como um campo informacional;
  • a consciência como fenômeno fundamental do universo.

👉 Nesse caso, a intuição seria um acesso descontínuo a uma matriz informacional universal, como se o ser humano sintonizasse brevemente com outra frequência.


6. Intuição em culturas ancestrais e epistemologias não-ocidentais

Do ponto de vista cosmológico ou filosófico, a intuição sempre foi reconhecida como forma legítima de saber:

  • No zen japonês, como chisei (sabedoria direta, não-discursiva);
  • Na tradição iorubá, como comunicação com os orixás;
  • Na floresta amazônica, como escuta das plantas;
  • Em contextos xamânicos, como saber encarnado e visionário.

Esses saberes estão sendo revalorizados por pensadores contemporâneos que propõem epistemologias híbridas, onde ciência, arte, mística e política se entrelaçam (como na simpoiese).


A intuição é um saber encarnado, eco-sensível, que emerge do entrelaçamento entre memória, corpo, ambiente e campo coletivo. Ela é o modo como a consciência toca o invisível antes de nomeá-lo — como o voo da ave antes da sombra

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