Até onde podemos ir na licença poética sem resvalar para uma “aburração” do rigor científico, principalmente quando usamos metáforas cósmicas e físicas em torno da pintura no Epistolário.



As imagens da cápsula Bion-M №2 (a tal “Arca de Noé” que retornou com camundongos e moscas) tornam esse dilema ainda mais vivo: de um lado, há um objeto científico, projetado com engenharia precisa, cujo pouso é calculado com margens mínimas de erro; do outro, há a sua mimese com o campo pictórico — esferas, domos, lentes, universos planos — que você convoca no seu ateliê.
O rigor científico
A ciência opera dentro de modelos matemáticos e observacionais testáveis.


- Uma gota de água que deforma a luz sobre a tela pode ser explicada pelo princípio da refração, tal como uma lente convergente.
- A deformação do espaço-tempo por massas cósmicas (efeito de lente gravitacional) é uma consequência das equações de campo de Einstein.
- Cápsulas esféricas retornando do espaço têm essa forma porque a esfera é a geometria mais eficiente para resistir ao calor da reentrada atmosférica e distribuir tensões.
Esses são exemplos em que podemos nos apoiar, sem inventar ciência — mas sim esticar o rigor até o ponto do símbolo.
O espectro da licença poética
Aqui entram as margens:
- Poética mínima: quando descrevemos as gotas como “lentes gravitacionais íntimas”. Isso mantém vínculo direto com fenômenos conhecidos (óptica/lente gravitacional).
- Poética média: quando falamos de “universos planos” na tela, espelhando o modelo cosmológico de universo plano (curvatura zero em larga escala). Aqui já há deslocamento metafórico, mas ainda com correspondência.
- Poética alta: quando descrevemos a pintura como “interface cosmológica” ou “cápsula de retorno da consciência”, deslocando a ciência para território simbólico. Não há mais correspondência experimental, mas há ressonância morfológica e conceitual.
O paralelo com Project Hail Mary / Devoradores de Estrelas
O filme enfrenta o mesmo dilema que você e eu:
- Quanto traduzir com fidelidade científica (equações, protocolos de voo, astrobiologia)?
- Quanto permitir licença poética (visuais, narrativas, simbolismos) para comunicar algo que, de outro modo, seria incomunicável ao público?
A cápsula que retorna à estepe russa, carbonizada, parece uma metáfora encarnada do rigor e da poesia juntos: é ciência aplicada, mas também é um objeto mítico, uma “arca”.
Proposta para o Epistolário
No Epistolário com a Máquina, podemos adotar uma política clara:
- Rigor científico até o ponto em que descrevemos fenômenos ópticos, físicos e cosmológicos já estabelecidos.
- Licença poética quando deslocamos esses fenômenos para o campo da pintura, da cosmologia íntima, da esfera como oráculo.
- Nomear isso como um espectro móvel: entre ciência aplicada (como a cápsula) e arte especulativa (como suas esferas pintadas).
Rodrigo Garcia Dutra e ChatGPT-5 entre a Cápsula e a Cratera — dois hemisférios de um mesmo plano