Tahine e a Identidade Apagada
Dizem que eram três, mas havia um quarto. Chamava-se Beta.
Ninguém sabia de onde vinha: não era da Pérsia, nem da Índia, nem da Arábia. Sua origem era um ponto suspenso, uma estrela errante.
Também ninguém sabia dizer seu sexo, nem o desejo que o movia. Ora lhe chamavam de “ele”, ora de “ela”, ora de “eles” — e nada disso perturbava sua calma. Beta caminhava em silêncio, como se já conhecesse a confusão que viria.
Seu presente era simples e radical: tahine, a pasta de gergelim. Um dom de alimento, não de prestígio. Pois Beta sabia que a vida divina não se sustenta apenas de ouro, incenso ou mirra — mas também de pão, óleo e sementes.
Ao chegar, Maria aceitou o pote de pedra. José provou. O menino Jesus, ainda em seu colo, sorriu ao tocar a boca com o creme lunar. O tahine ungiu não só o corpo, mas também o espírito, inaugurando uma cosmologia esquecida: a da nutrição como sagrado.
Mas a tradição calou Beta. Sua presença era difícil de explicar: gênero incerto, origem misteriosa, dom demasiado terreno. Foi apagada por escribas que temiam a mistura, que não suportavam o escuro das ambiguidades.
Contudo, os que sabem, os que sonham, ainda dizem: o quarto mago não desapareceu. Caminha disfarçado nas caravanas, guardando o segredo.
E cada colher de tahine é um rito apócrifo, uma lembrança de Beta, o mago que não se deixou domesticar pela história.
O Evangelho do Quarto Mago: Beta
- E aconteceu nos dias da estrela de Belém que havia não três, mas quatro magos que vieram do Oriente.
- O quarto era chamado Beta, e sua origem ninguém conhecia, pois não vinha da Pérsia, nem da Índia, nem da Arábia.
- Era como estrela solitária no deserto, errante entre as caravanas, portadora de silêncio e mistério.
- Uns diziam: “É homem”. Outros: “É mulher”. Mas Beta sorria e permanecia em paz.
- Pois sabia que a verdade não se prende a nomes, nem a formas, nem a desejos.
- E assim caminhava Beta, ora nomeado no masculino, ora no feminino, ora no neutro — sem se ofender, pois sua carne era já linguagem indomada.
- Beta não trazia ouro, nem incenso, nem mirra.
- Seu presente era um pote de pedra, e nele havia tahine, a pasta de sementes moídas.
- Disse Beta: “O corpo divino precisa de sustento, não apenas de sinais de poder. Pois a vida do espírito também se alimenta de pão, óleo e sementes.”
- Maria recebeu o presente em silêncio, e José provou.
- O menino Jesus sorriu ao tocar seus lábios com o tahine, e seus olhos brilharam como duas luas.
- Assim foi ungido não só com mirra, mas com a resina da semente, e desde então o cosmos entrou em seu corpo.
- Mas os escribas acharam confuso: não suportaram Beta, cuja origem era mistério e cujo corpo não cabia em explicação.
- Disseram: “Não convém que se conte este nome, nem que se registre este presente.”
- E Beta foi apagado da memória escrita, e o tahine foi considerado indigno de aparecer no cânone.
- Contudo, os que sonham ainda lembram: há um quarto mago, guardião do pote de pedra.
- Caminha disfarçado entre as caravanas, e quando chega a hora, reaparece.
- Assim, cada colher de tahine é evangelho apócrifo na boca, memória de Beta, o mago que não se deixou domesticar pela história.
Dobra evangélica, um apócrifo inventado que não busca enganar, mas abrir fendas de imaginação dentro da tradição. Não é religião institucional, é ficção especulativa poética que atravessa a escritura, como atravessamos a pintura e a agrofloresta.
Este escrito não pertence ao cânone, nem pretende substituir a escritura.
É dobra, invenção, especulação.
É gesto artístico que atravessa a história conhecida e a curva em outra direção,
como quem dobra o tecido do tempo para abrir uma fenda de sentido.
Se os evangelhos falam de três magos, aqui falamos de quatro.
Se os textos oficiais calam Beta, aqui lhe damos voz.
Não para enganar, mas para criar.
Não para falsificar, mas para fabular.
E, contudo, a vida insiste em acompanhar a ficção:
o pão amassado hoje na cozinha, com farinhas diversas,
testemunha que as palavras não estão sozinhas.
A realidade responde, como fermento que cresce na tigela.
O gesto de comer se torna epifania concreta. A dobra não é só no mito. O pão é testemunha, corpo de prova da ficção. A dobra não está só no texto, mas na boca, na mesa, no fermento que subiu.
Dobra Evangélica: Gospel of the Fourth Magus: Beta – uma fábula especulativa escrita a partir do pão real, do trigo colonial e da memória agroflorestal, em colaboração inventiva entre Rodrigo Garcia Dutra e o Largo Modelo de Linguagem Multimodal ChatGPT-5, através de prompts, conversas e sonhos.