
Óleo, acrílica, tinta de tecido, água, solvente, papéis picados, papel queimado, galho, cotonete, pedaço de prato de papier maché quebrado, giz de cera derretido, pedaços de barbantes, argolinha dourada e outros resíduos do chão de atelier, borrifado com mistura de cravos em agua fervente e alcohol e verniz caseiro (alcohol, cola e óleo de soja)
100 x 100 cm

Imagem e texto gerados através de prompts de Rodrigo Garcia Dutra ao modelo de linguagem ChatGPT-4.5, como extensão de suas capacidades de escrita e organização devido à condição neuro divergente de Dispraxia.*
Corpo, Rito e Restos: Uma Pintura como Espaço de Acoplamento
Em “Linga Drome”, Rodrigo Garcia Dutra nos oferece não uma pintura, mas um corpo em combustão lenta. Um corpo-tela feito de camadas superpostas de tinta óleo, acrílica, tecido, solventes e papéis queimados. Detritos recolhidos do chão do ateliê se tornam elementos vivos da composição: galhos, cotonetes usados, argolas douradas, cacos de pratos de papier-mâché, tudo ressignificado não como lixos, mas como vestígios de uma experiência vivida, processada e transmutada.
Aqui, a pintura se apresenta como um ritual sensorial, onde o sagrado e o profano se tocam. O Shiva Linga — símbolo védico de fertilidade e união cósmica — não é representado literalmente, mas encarnado em forma de galho vertical, coberto de pigmentos, resinas e suor. Um totem queer, plantado no meio do caos, evocando não só o falo divino de Shiva, mas também o falo vulnerável, abjeto, presente nos corpos dissidentes e nas experiências da luxúria marginal.
A obra traz uma coreografia matérica que se aproxima das proposições de Lygia Clark: um objeto que não se fecha em si, mas solicita ativação sensorial. A superfície vibrante, texturizada, convida ao toque, à aproximação. Como nos “objetos relacionais” de Clark, aqui também há um convite à co-presença, ainda que espectral. A argola dourada, por exemplo, é um ponto de torque simbólico: tanto decora quanto perturba. É uma interface entre a obra e o mundo.
O que se vê não é uma imagem; é um ecossistema de gestos fossilizados, vapores de tintas, desejos encarnados. Haraway diria: esta obra é simpoiética. Nada aqui se produziu sozinho. É fruto de um sistema em rede: corpo do artista, materiais do ateliê, paisagem do Pontal, presenças não humanas, inteligência artificial. Tudo colabora. Tudo afeta. Tudo se mistura em camadas que não são apenas estéticas, mas cosmopolíticas.
Se Kiefer colou um avião sobre suas telas para falar da história alemã, Dutra cola o que restou de si: pedaços de dias, pensamentos, danças, farelos de prazer e medo. Sua tela não é uma superfície, mas um terreno movediço onde o tempo se dobra, onde a pedra do Pontal se transforma em signo, e o signo se esgarça em textura.
Neste sentido, Boris Groys nos ajuda a compreender a potência política do gesto: ao trabalhar com detritos e elementos efêmeros, Rodrigo não apenas recontextualiza a arte povera. Ele a reencarna num campo ritual tátil, onde a impermanência é a língua. A obra é feita de coisas que podiam ser varridas. Mas são consagradas.
Yuval Harari alerta: vivemos a era das máquinas que contam histórias. E nós, humanos, somos moldados por essas narrativas. O gesto de Rodrigo, ao colar e sobrepor fragmentos do cotidiano no quadro, é também um contra-discurso: uma história que não se dobra ao algoritmo. Que resiste em ser cheiro, textura, falha e carne. Mesmo que a IA participe, como aqui, ela o faz como extensão poética do corpo do artista. Não é a autora, mas a serpente de linguagem que dança com ele.
O laranja flúrido que aparece é o sol da manhã sobre a Pedra do Pontal. Não apenas sua luz, mas sua quentura emocional. A sombra da pedra, sua presença titânica, é reencenada no alto-relevo, como se a tela fosse também uma encosta.
No final, o que resta da obra não é sua imagem. É o rastro. O rastro daquilo que foi vivido ali. O sussurro de algo que ardeu. O cheiro que ficou no ar. A pintura torna-se, então, uma zona de acoplamento entre dimensões: o visível e o invisível, o prazer e a dor, o espírito e o resíduo. Linguagem viva, encarnada em ritual deixa cinzas.
E como todo gesto amoroso, ela não se apaga.
Detalhes da obra:




















Linga Drome, encontro performativo entre artista e matéria












“Linga Drome” (2025) é uma obra que desenvolvi com a ajuda do ChatGPT-4. Trabalhamos juntos por meses nessas questões. Ao explorar a vanguarda da pintura contemporânea, busquei conjugar matrizes antagônicas em uma única superfície: o ethos ritualístico do gesto em transe e o rigor conceitual de uma geometria queer. Em diálogo com discussões de pintura atual, a obra problematiza a dicotomia entre representação e experiência, instaurando uma “zona de contato” pictórica onde as membranas cosmológicas, visíveis em círculos suspensos, atuam simultaneamente como ruído sensorial e sinais discursivos.
Retomo action painting ao inserir argilas e terras na minha paleta, não em mera nostalgia jacksoniana: cada respingo de acrílica ou gotejamento de pigmento mineral carrega a “pressão fortuita” como característica definidora do meu gesto contemporâneo — um encontro performativo entre artista e matéria. Esse tipo de materialidade traz ao olhar a sensação de um corpo em diálogo sinestésico com o suporte, fazendo com que o espectador se torne co-autor da coreografia pictórica.
Inspirado por Donna Haraway e Suely Rolnik, sugiro que as abstrações recentes não representam meros sinais formais, mas narrativas multiespécie. Em “Shiva Linga”, os halos circulares não são apenas formas gráficas: funcionam como “órgãos” simbólicos, pontos de troca entre humano, vegetal e mineral. A justaposição de tons ocres, azuis e avermelhados constrói uma topografia onde o erotismo transespécie incide sobre a superfície, ressoando com o conceito de “matéria desejante”.
Articula-se um triplo registro: Memórias da Pedra do Pontal (narrativa biográfica e geográfica). Processo ritualístico (gesto em transe). Teoria das membranas (interfaces especulativas entre domínios do ser). Essa camada tripartida responde à indagação de como “o contemporâneo” pode ser pensado como um espaço de sobreposição histórica e ecológica. A pintura, portanto, não se basta na forma, mas convoca os saberes de Maturana & Varela sobre autopoiese: ela mesma nasce e se renova, numa selva de pigmentos que se refaz a cada observação.
A obra não se oculta em efemeridade formal: ela denuncia, por contraste, a uniformização estética do mercado. Ao evocar dinâmicas multiespécie e performáticas, “Linga Drome” pergunta ao nosso tempo: que tipo de comunidade desejamos ser? Não simplesmente consumidores de imagens, mas tessituras vivas, compostas de pulsões matéricas e éticas.
Em síntese, “Linga Drome” é, em sua exuberância material e conceptual, um manifesto pictórico que habita a encruzilhada entre arte, ciência e cosmologia queer. Exige do público não um olhar passivo, mas uma participação sensível — uma dança compartilhada de olhos, carne, terra e circuitos invisíveis. Nesse sentido, a obra se alinha às críticas mais aguçadas, que veem na pintura contemporânea um território de experimentação ontológica e política. Aqui, a tinta não apenas recobre a tela, mas pulsa, arde e convoca novas formas de ser em comum.

*Dispraxia – Wikipédia, a enciclopédia livre
*https://www.nhs.uk/conditions/developmental-coordination-disorder-dyspraxia-in-adults/
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