1. Um país entre dois turnos
A exposição A Linguagem da Serpente, de Rodrigo Garcia Dutra, inaugurada em pleno 10 de outubro de 2022 no 10º andar do Anexo IV da Câmara dos Deputados, não chegou por acaso. Como uma entidade silenciosa, ela se instalou no coração do poder justamente entre o 1º e o 2º turno das eleições presidenciais. Enquanto o Brasil ardia em tensões políticas, a serpente ancestral de Dutra desenhava seus caminhos dentro do templo legislativo, convocando mitos, ciência e espiritualidade a presenciarem a travessia.
2. A serpente vibra: mitologia, física quântica e escuta indígena
Rodrigo conecta a teoria das supercordas com a cosmologia indígena brasileira — uma ponte entre ciência e saber ancestral. A serpente emerge como divindade cósmica e símbolo de transformação, espiralando entre esculturas, pinturas e vídeos enquanto o país decidia seu futuro nas urnas. A exposição cria um espaço de refúgio e respiração — onde não se grita, mas se escuta.
3. Lula vence. A serpente testemunha.
No dia 30 de outubro, Luiz Inácio Lula da Silva, operário, nordestino, sobrevivente, foi eleito presidente. A serpente, em seu silêncio, observava. O 10º andar se tornou altar, espaço de celebração íntima e política. O que estava em jogo era maior do que uma disputa partidária — era a reinvenção simbólica de um país.
4. Da criação ao ataque: vandalismo e sobrevivência
Com a posse de Lula, veio também a criação do Ministério dos Povos Indígenas, com Sônia Guajajara. E então o golpe: em 8 de janeiro de 2023, extremistas invadem Brasília. Mas o 10º andar, quase místico na sua altitude, não é alcançado. A exposição sobrevive. E com ela, sobrevive o gesto artístico, a escuta ancestral, e a serpente — que não se quebra.
5. Um País ou Empresa Colonial Extrativista?
Enquanto a serpente dança, há quem consuma a arte como mercadoria. Milionários extrativistas, travestidos de mecenas, extraem cultura como extraem soja, gado, minério. Pagam com pix simbólico e jantam sob candelabros em mansões patrocinadas pela miséria. Mas a serpente não quer servir a esse banquete — ela escapa, ondula, resiste, e quando possível dá o bote.
6. Conclusão: Gesto final, país por vir
A exposição se encerra. O país ainda pulsa, entre escombros e esperanças. Este ensaio crítico é um convite: que não deixemos a serpente adormecida. Que sejamos capazes acordar e criar um país que não seja mais empresa colonial, mas território de escuta, gesto e reinvenção.





