FamĂlia grande, respeitĂĄvel. Por trĂĄs das poses, histĂłrias nĂŁo contadas de silĂȘncio, omissĂŁo e abuso. Nem toda harmonia Ă© verdadeira. Nem todo afeto Ă© proteção. Que essa imagem provoque o olhar alĂ©m das aparĂȘncias.
Por Rodrigo Garcia Dutra
Nasci em um ambiente onde o afeto foi substituĂdo pela opressĂŁo. Onde o silĂȘncio era cĂșmplice do abuso, e a violĂȘncia emocional era camuflada por discursos conservadores, religiosos ou simplesmente negada.
Por anos, fui alvo de insultos homofĂłbicos, controle coercitivo e omissĂ”es dolorosas. Presenciei minha madrinha me agarrar Ă força diante da minha mĂŁe â que, ao invĂ©s de me proteger, escolheu fingir que nada aconteceu. As palavras usadas contra mim ecoam atĂ© hoje, como cicatrizes invisĂveis: âVocĂȘ vai virar viado? Tenho nojo de viado.â Essa frase â dita e repetida por quem deveria ser um pilar â nĂŁo Ă© opiniĂŁo. Ă violĂȘncia.
Minha histĂłria nĂŁo Ă© isolada. Ela Ă© o reflexo de milhares de outras vivĂȘncias sufocadas pelo ideal de âboa famĂlia brasileiraâ. Ă hora de romper com esse ciclo.
Por meio desta carta, venho exigir:
- Reconhecimento pĂșblico da violĂȘncia familiar nĂŁo conjugal como problema sistĂȘmico e social.
- Apoio psicolĂłgico e jurĂdico acessĂvel para vĂtimas de abuso familiar, independente do gĂȘnero.
- Criação de polĂticas pĂșblicas que responsabilizem parentes por danos emocionais e morais cometidos dentro de casa.
- Fomento Ă justiça restaurativa e aos espaços de escuta coletiva, onde vĂtimas possam reconstruir suas narrativas longe da vergonha e da culpa.
NĂŁo hĂĄ liberdade enquanto o lar for um campo de batalha. NĂŁo hĂĄ justiça enquanto o silĂȘncio for maior que o acolhimento. Que minha voz â e de tantos que compartilham essa dor â ecoe atĂ© que o sistema nos escute. AtĂ© que a famĂlia deixe de ser escudo para abusadores.
Rodrigo Garcia Dutra
Rio de Janeiro, julho de 2025